domingo, 13 de junho de 2010

Resgate

Pela manhã, ao se olhar no espelho, admitiu que, a cada dia, ficava mais parecida com ela.

A expressão tranqüila e os vincos no rosto, moldados pelos anos, imprimiam-lhe o mesmo ar de sabedoria e segurança.

Lembrou-se, imediatamente, de como era bom brincar com o pote de botões de todas as cores, formatos e tamanhos e com linhas, dedais e retalhos da caixinha de costura de madeira forrada com tecido púrpura.

Ah! E as infinitas descobertas nas caixas de papelão, guardadas nas gavetas com cheiro de naftalina? Echarpes de seda; livros de oração, com páginas estufadas por flores secas; apliques de renda; vidrinhos coloridos de perfume já vazios; cartas amareladas escritas a pena e até o fascinante baralho italiano de tarô.

Eram objetos sagrados e proibidos, que a curiosidade infantil não conseguia respeitar.

Ainda no espelho, perfumou-se toda de alfazema e sorriu satisfeita.

A seguir, desceu as escadas, exultante, e foi consultar o velho livro de receitas da avó.

Naquele dia, seus netos comeriam bolinhos de chuva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário